O diabo das empresas só pensam no lucro
Os lucros das empresas tem sido assunto de debate nas últimas semanas. Quando a inflação dispara (já vai em 9,1%) e a economia contrai 0,2% no segundo semestre (se os bens sobem de preço e as pessoas ganham o mesmo ou menos, é normal uma retração no consumo) parece ao consumidor comum um escândalo que as empresas gerem lucros fora do normal.
Esta opinião é natural no tal consumidor comum, pouco versado nas temáticas da economia, da política e das empresas. Já em pessoas mais instruídas nestes assuntos ou com responsabilidades políticas é inaceitável.
O Estado português, a reboque da inflação e da subida generalizada dos preços, já conseguiu arrecadar mais quase 2 mil milhões de euros em seis meses. Não se vê ninguém insurgir contra este lucro excessivo e inesperado do Estado, nem pedir para que o mesmo seja distribuído pelos contribuintes.
Há décadas que as empresas são diabolizadas e os empresários condenados enquanto seres gananciosos que só pensam em espezinhar os trabalhadores para ganharem mais uns tostões. São gente desprezível que só pensa em viaturas de alta cilindrada e marcas de luxo, em férias em resorts de verão ou de neve, enquanto os seus funcionários labutam dez horas diárias a troco de uma côdea de pão. E quando emergem empresas com lucros avultados, “Aqui d’EL Rei!” que só podem ter ganho dinheiro à custa de trabalho escravo ou da especulação.
O principal objetivo de uma empresa não é, contudo, gerar lucros. Analisem várias das grandes empresas mundiais, como a Spotify, a Uber ou a Farfetch para se perceber que durante anos acumularam prejuízos e, mesmo assim, continuaram a ser atrativas para os investidores. Porque o principal objetivo de uma empresa é gerar dividendos para os seus investidores, acionistas ou proprietários. Só que para obterem estes ganhos, há que ter um produto que o mercado deseje, produzido e entregue da forma mais eficiente possível, satisfazendo uma necessidade do consumidor. Resumindo, se a empresa não conseguir criar valor, não vai conseguir satisfazer os seus clientes, não gera retorno financeiro para continuar a investir, a inovar e a remunerar os investidores para que continuem a apostar na empresa.
Quando a empresa dá prejuízo, alguém tem pena dos acionistas e manifesta-se na rua para que sejam ressarcidos? Ou faz parte da atividade empresarial o risco do negócio? A expetativa é que a empresa dê dinheiro, mas muitas vezes perde-se avultadas quantias, frequentemente durante vários anos.
Muitos portugueses acreditam que as empresas são sempre malignas e que ganham dinheiro por meios escuros ou mesmo criminosos. Esta opinião advém da dependência do Estado criada ao longo dos dois últimos séculos. Milhões nunca tiveram uma experiência no setor privado, nem nunca pensaram em ser empreendedores. Depois, por desconhecimento, acham que a parte retida pela empresa (IRS, seguro e Segurança Social) fica na empresa e não que vai para o tal Estado que idolatram. Quando o Governo defende um aumento de 20% para os salários dos portugueses, procura esconder que o trabalhador vai receber menos ao subir de escalão e a descontar ainda mais para o Estado.
Atente-se, ainda, aos trabalhadores independentes. Por cada recibo que emitem, descontam de imediato 25% em IRS. Despesas de deslocação – vulgo quilómetros – são taxados como sendo remuneração. Por isso, além dos impostos sobre os produtos petrolíferos – equivalentes a mais de 50% em cada litro – o trabalhador a recibo verde ainda tem de pagar, à cabeça, 25% sobre os valores cobrados, contabilizados como ganho e não como custo.
As empresas têm inúmeros custos. São impostos, taxas e taxinhas que limitam a capacidade de resposta. Impedem que se pague melhor ao trabalhador. Aumentar 200 euros, por exemplo, implica um custo na ordem dos 400 euros para a empresa e um rendimento líquido para o trabalhador inferior a 50 euros. Na maioria dos aumentos, o Estado acaba por receber metade ou mais. Os descontos para a Segurança Social e para o IRS, na esmagadora maioria dos salários, são praticamente idênticos ao salário líquido. Ou seja, um português passa entre 35 a 45 horas por semana a trabalhar para entregar metade do seu esforço à máquina tributária do Estado. Assim, qual a motivação para sermos melhores, crescermos e ganharmos mais dinheiro com a nossa atividade?
Portugal não tem grandes empresas. As maiores são insignificantes mesmo a nível ibérico. Por isso são compradas facilmente por interesses estrangeiros. A falta de capital resulta num país mais pobre, em empresas fracas ou inábeis, em salários baixos e na perceção de que apenas o Estado nos pode salvar. Quando deixar de haver gente para pagar impostos, porque todos seremos financiados, de uma ou outra forma, pelo Orçamento de Estado, onde é que o Governo irá buscar a receita de que necessita?
Foto: Sharon McCutcheon on Unsplash